Culturas Paralelas
17 Fevereiro - 22 Abril 2023Curadoria Andreia Magalhães
Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto
Out.li.er (substantivo), trad. ponto fora da curva
1: algo que está afastado ou que se classifica de modo distinto de um
corpo principal ou relacionado.
“Procurar “pontos fora da curva” tem sido uma constante no trabalho de artistas e curadores ao longo da
história da arte moderna e contemporânea. Esta demanda é marcada por programas curatoriais e teóricos
que contribuem para uma expansão permanente do nosso entendimento, compreensão e atribuição de
valor artístico a imagens, textos e objetos que quando foram criados, por razões de diversa ordem,
estavam fora dos cânones da produção e validação estabelecidos.
Esta tendência foi liderada por muitos dos artistas das primeiras vanguardas do século XX, quando
voltaram a sua atenção para culturas não ocidentais, arte rupestre, arte vernacular, desenho infantil e obras
criadas por pessoas com profundos traumas e doenças mentais. Em 1912, Paul Klee declarava que a arte
dos doentes mentais, assim como a arte das crianças, deveria ser levada muito mais a sério “do que as
coleções de todos os nossos museus de arte” chamando a atenção para a criação artística produzida à
margem e isolada da cultura dominante. A declaração de Klee foi materializada por Jean Dubuffet, que ao
longo de anos se dedicou à criação de uma coleção formada por obras descobertas em hospitais
psiquiátricos, obras de artistas mediúnicos e de autores sem formação artística. Esta coleção e o estudo
dos autores nela incluídos foram a base de vários ensaios e conferências que Dubuffet escreveu sobre o
valor e fundamentos do que designou de arte bruta. A apresentação pública das obras iniciou-se a partir
de 1947 na galeria René Drouin, dedicada à apresentação das artes de vanguarda em Paris, contando
também com a colaboração e entusiasmo de artistas como André Breton e críticos de arte como Michel
Tapié.
Ao longo do século XX foram surgindo outras designações e propostas para identificar a produção
artística descoberta fora do sistema artístico e cultural, como outsider art, folk art, visionary art, ou
simplesmente arte autodidata. Apesar do incontestável valor artístico de muitas das obras que recebem
esta designação, houve uma tendência para as manter em circuitos específicos, entrincheirados, da arte
bruta ou outsider com o seu próprio sistema de museus, mercado e publicações. Contudo, são assinaláveis
fendas que têm conduzido a uma maior inclusão de outliers nas histórias gerais da arte, o que tem sido
sobretudo provocado por exposições históricas que trazem artistas das margens para o centro, algumas
com impacto internacional, como aconteceu com a Documenta de Kassel em 1972, e mais recentemente
com as Bienais de Veneza de 2013 e 2022.
A exposição Culturas Paralelas apresenta obras de trinta e um artistas que têm vindo a dissipar as
fronteiras entre o domínio da arte outsider e o sistema artístico dedicado à arte moderna e contemporânea.
A primeira secção da exposição reúne obras de oito artistas “clássicos” da arte bruta, identificados por
Jean Dubuffet, desenvolvendo-se depois em núcleos temáticos, agregados por associações sobretudo
formais, com obras provenientes de diversas geografias e momentos históricos: arquiteturas ficcionadas,
códigos e símbolos, histórias e alegorias, criaturas, animais e retratos.
Todas as obras em exposição são da coleção Treger Saint Silvestre criada em Paris na década de 1980 por
António Saint Silvestre e Richard Treger, um acervo cuja origem e desenvolvimento foi inspirado pela
demanda de Jean Dubuffet. Em desenvolvimento ao longo dos últimos quarenta anos a coleção TSS tem
atualmente cerca de 1500 obras de 500 autores, e está em depósito de longo prazo no Centro de Arte
Oliva em S. João da Madeira, onde tem vindo a ser tornada púublica num programa regular de
exposições.
Culturas Paralelas corresponde a um segundo momento de reflexão, desenvolvido conjuntamente com a
Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, iniciado em novembro de 2019 com a realização do
seminário internacional que teve o mesmo título. O mote deste programa é promover o conhecimento e
investigação sobre o ainda pouco conhecido e estudado domínio da arte bruta /outsider em Portugal.”
Andreia Magalhães